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terça-feira, 29 de outubro de 2013

A irreversibilidade e o poder de perdoar ,Hannah Arendt

"O trecho a seguir é extraído do livro "A condição humana", de Hannah Arendt, publicado em meados da década de 50. Possivelmente é sua resposta à questão colocada à época, na qual se demonstrava o espanto de a humanidade continuar, após todos os desastres coletivos que se presenciou. Arendt, que fugiu para os Estados Unidos em decorrência direta de um dos desastres."(fonte:http://sevocedissertudooquequiser.blogspot.com.br/2013/01/a-irreversibilidade-e-o-poder-de-perdoar.html)


A irreversibilidade e o poder de perdoar



    Vimos que o que o animal laborans pôde ser redimido das vicissitudes do aprisionamento no ciclo sempre-recorrente do processo vital, da eterna sujeição à necessidade do trabalho e do consumo, unicamente mediante a mobilização de outra capacidade humana: a capacidade do homo faber de fazer, fabricar e produzir [making,and producing], o qual, como fazedor de instrumentos , não só atenua as labutas e penas do trabalho como erige um mundo de durabilidade. A redenção da vida, sustentada pelo trabalho, é a mundaniedade , sustentada pela fabricação. Vimos também, que o Homo Faber pôde ser remédio das vicissitudes da ausência de significado, “a desvalorização de todos os valores”, e da impossibilidade de encontrar critérios válidos em um mundo determinado pela categoria de meio e fins unicamente por meio da faculdade inter-relacionadas da ação e do discurso , que produzem estórias significativas com a mesma naturalidade com que a fabricação produz objeto de uso. E , se isso não estivesse fora do escopo destas considerações do pensamento ; pois o pensamento também é incapaz de “se pensar” fora das vicissitudes engendradas pela própria atividade de pensar. Em cada um destes casos , o que salva o homem -do animal laborans , homo faber ou pensador – é algo inteiramente diferente, algo que vem de fora, não do homem, por certo, mas de cada uma das respectivas atividades. Do que ele seja também um ser que conhece o mundo e nele habita; do ponto de vista do homo Faber, parece milagre , uma espécie de revelação divina, o fato de o significado ter um ligar neste mundo.
    Ocaso da ação e de suas vicissitudes é bem diferente . O remédio para a imprevisibilidade , para caótica incerteza do futuro, está contido na faculdade de prometer e cumprir promessas . As duas faculdades formam um par, pois a primeira delas , a de perdoar, serve para desfazer os atos do passado, cujos “pecados” pendem como espada de Dâmocles sobre cada nova geração; a segunda, o obrigar-se através de promessas,serve para instauras no futuro, que é por definição um oceano de incertezas, ilhas de segurança sem as quais nem mesmo a continuidade,sem falar da durabilidade de qualquer espécie, seria possível nas relações entre os homens.
    Se não fôssemos perdoados, liberados das consequências daquilo que fizemos, nossa capacidade de agir ficaria, por assim dizer, limitada a um único ato do qual jamais nos recuperaríamos; seriamos para sempre vítimas de suas consequências, à semelhança do aprendiz de feiticeiro que não dispunha da fórmula mágica para desfazer o feitiço.Sem estarmos obrigados ao cumprimento de promessas, jamais seriamos capazes de conservar nossa identidade; seriamos condenados a errar, desamparados e sem rumo, nas trevas do coração de cada homem, enredados em suas contradições e seus equívocos – trevas que só podem ser dissipados pela luz derramada no domínio público pela presença de outros, que confirmam a identidade entre aquele que promete e aquele que cumpre. Ambas as faculdades , por tanto dependem da pluralidade, da presença e da ação de outros, pois ninguém pode perdoar a si mesmo e ninguém pode se sentir obrigado por uma promessa feita apenas para si mesmo; o perdão e a promessa realizados na solitude e no isolamento permanecem sem realidade e não podem significar mais do que um papel que a pessoa encena para si mesma.
    Uma vez essas faculdades correspondem tão à condição humana da pluralidade, o papel que desempenham na política estabelece um conjunto de princípios orientadores diametralmente opostos aos padrões “morais” inerentes à noção platônica de governo. Pois o governo platônico, cuja legitimidade baseava-se no domínio do si-mesmo, extrai seus princípios orientadores -aqueles que justificam e ao mesmo tempo limitam o poder sobre outros – de uma relação estabelecida entre mim mesmo, de sorte que o certo e o errado nas relações com os outros são determinados pelas atitudes com relação ao si mesmo, até que todo o domínio publico passa ser visto à imagem do “homem escrito em maiúsculo”, da ordem adequada entre as capacidades individuais da mentes , da alma e do corpo do homem.Por outro lado, o código moral inferido das faculdades de perdoar e de prometer basear-se em experiências que ninguém jamais pode ter consigo mesmo e que , ao contrário, se baseiam inteiramente na presença de outros . E , do mesmo modos como a dimensão e as formas de governo de si[self-rule] justificam e determinam o governo dos outros – governa-se os outros como se governa a si mesmo -, também a dimensão e as formas do perdão e das promessas que o indivíduo recebe determinam a dimensão e as formas do perdão que ele pode ser capaz de conceder a si próprio ou do cumprimento de promessas que só a ele dizem respeito.
    Como os remédios contra o enorme vigor e resiliência dos processos da ação só são eficazes na condição de pluralidade, é muito perigosos usar esta faculdade em qualquer domínio que não assuntos humanos. A tecnologia e a ciência natural moderna, que já não colhem materiais natureza , nem observam e nem imitam seus processo, mas parecem realmente agir nela, aparentemente introduziram , por isso mesmo irreversibilidade e a imprevisibilidade humanas no domínio da natureza ,onde não há remédio para desfazer o que foi feito. Analogamente, parece que um dos grandes perigos de agir nos moldes da fabricação e dentro da estrutura de sua categoria de meios e fins reside na concomitante autoprivação dos remédios inerentes apenas à a ação, de modo que se é obrigado não só a fazer [do] recorrendo aos meios da violência necessários a toda fabricação, mas também a desfazer [undo] o que foi feito por meio da destruição como se destrói um objeto que não deu certo. Nada aparece de modo tão evidente nessas tentativas quanto a grandeza do poder humano cuja fonte reside na capacidade de agir e que, sem os remédios inerentes à ação, começa inevitavelmente a subjugar e a destruir, não o próprio homem, mas as condições nas quais a vida lhe foi dada.
    O descobridor do papel do perdão no domínio dos assuntos humanos foi Jesus de Nazaré. O fato de que ele tenha feito essa descoberta em um contexto religioso e a tenha anunciado em linguagem religiosa não é motivo para levá-la mesmo a sério em um sentido estritamente secular. È da natureza de nossa tradição de pensamento político (por móvitos nos quais não podemos nos deter aqui) ser altamente seletiva e excluir da conceituação articulada grande variedade de experiência políticas autenticas, entre as quais não se surpreendente encontrar algumas natureza elementar. Certos aspectos dos ensinamentos de Jesus de Nazaré que não relacionam basicamente com a mensagem cristã,mas surgiram de experiências da pequena e coesa comunidade e de seus seguidores,. Inclinada a desafiar as autoridades públicas de Israel, certamente incluem-se entre essas experiências políticas autenticas, embora tenham sido negligenciados me virtude de sua suposta natureza exclusivamente religiosa. O único sinal rudimentar da percepção de que i perdão pode ser corretivo necessário aos danos inevitáveis que resultam da ação pode ser visto no principio romano de poupar os vendidos (parecere subienctis) – uma sabedoria dos gregos desconheciam totalmente – ou no direito de comutar a pensa de morte, provavelmente também de origem romana que é a prerrogativa de quase todos os chefes de Estado ocidentais.
    È crucial pra nosso contexto que Jesus sustente contras os “escribas e fariseus”,que , em primeiro lugar , não é verdade que somente Deus tenha o poder de perdoar”, e em segundo lugar , que esse poder não deriva de Deus - como se Deus , e não os homens através de seres humanos-, mas, ao contrário deve ser mobilizado pelos homens entre si , antes que possam esperar serem perdoados também por Deus . A formulação de Jesus é radical. No evangelho não s expões que o homem perdoe sempre DEUS perdoa, e ele portanto, tem de fazer “o mesmo”m e sim “se cada um, no intimo do coração , perdoar, Deus fará “ o mesmo”. O motivo da insistência sobre um dever de perdoar é obviamente, que “eles não sabem o que fazem”, e não se aplica ao caso extremo do crime e do mal voluntário, pois do contrário não teria sido necessário ensinar que, “ se ele te ofender sete vezes no dia, e sete vezes no dia retornar a ti dizendo “me arrependo”, tu o perdoarás. O crime e o mal voluntário são raros, mais raros talvez que as boas ações; segundo Jesus, Deus se encarrega dele no dia do Juízo Final, que nenhum papel desempenha na vida terrena e tampouco se caracteriza pelo perdão, mas pela justa retribuição (apodounai).A ofensa, contudo, é uma ocorrência cotidiana , decorrência natural do fato de que a ação estabelece constantemente novas relações um teia de relações, e precisa do perdão , da libertação, para possibilitar que a vida possa continuar, desobrigado constantemente os homens daquilo que fizeram sem o saber.Somente mediante essa mutua e constante desobrigação do que fazem os homens podem ser agentes livres ; somente com a constante disposição para mudar de ideia e recomeçar pode-se confiar a eles um poder tão grande quanto o de começar algo novo.A irreversibilidade e o poder de perdoar
     Vimos que o que o animal laborans pôde ser redimido das vicissitudes do aprisionamento no ciclo sempre-recorrente do processo vital, da eterna sujeição à necessidade do trabalho e do consumo, unicamente mediante a mobilização de outra capacidade humana: a capacidade do homo faber de fazer, fabricar e produzir [making,and producing], o qual, como fazedor de instrumentos , não só atenua as labutas e penas do trabalho como erige um mundo de durabilidade. A redenção da vida, sustentada pelo trabalho, é a mundaneidade , sustentada pela fabricação. Vimos também, que o Homo Faber pôde ser remédio das vicissitudes da ausência de significado, “a desvalorização de todos os valores”, e da impossibilidade de encontrar critérios válidos em um mundo determinado pela categoria de meio e fins unicamente por meio da faculdade inter-relacionadas da ação e do discurso , que produzem estórias significativas com a mesma naturalidade com que a fabricação produz objeto de uso. E , se isso não estivesse fora do escopo destas considerações do pensamento ; pois o pensamento também é incapaz de “se pensar” fora das vicissitudes engendradas pela própria atividade de pensar. Em cada um destes casos , o que salva o homem -do animal laborans , Homo Faber ou pensador – é algo inteiramente diferente, algo que vem de fora, não do homem, por certo, mas de cada uma das respectivas atividades. Do que ele seja também um ser que conhece o mundo e nele habita; do ponto de vista do Homo Faber, parece milagre , uma espécie de revelação divina, o fato de o significado ter um ligar neste mundo.
   Ocaso da ação e de suas vicissitudes é bem diferente . O remédio para a imprevisibilidade , para caótica incerteza do futuro, está contido na faculdade de prometer e cumprir promessas . As duas faculdades formam um par, pois a primeira delas , a de perdoar, serve para desfazer os atos do passado, cujos “pecados” pendem como espada de Dâmocles sobre cada nova geração; a segunda, o obrigar-se através de promessas,serve para instauras no futuro, que é por definição um oceano de incertezas, ilhas de segurança sem as quais nem mesmo a continuidade,sem falar da durabilidade de qualquer espécie, seria possível nas relações entre os homens.
   Se não fôssemos perdoados, liberados das consequências daquilo que fizemos, nossa capacidade de agir ficaria, por assim dizer, limitada a um único ato do qual jamais nos recuperaríamos; seriamos para sempre vítimas de suas consequências, à semelhança do aprendiz de feiticeiro que não dispunha da fórmula mágica para desfazer o feitiço.Sem estarmos obrigados ao cumprimento de promessas, jamais seriamos capazes de conservar nossa identidade; seriamos condenados a errar, desamparados e sem rumo, nas trevas do coração de cada homem, enredados em suas contradições e seus equívocos – trevas que só podem ser dissipados pela luz derramada no domínio público pela presença de outros, que confirmam a identidade entre aquele que promete e aquele que cumpre. Ambas as faculdades , por tanto dependem da pluralidade, da presença e da ação de outros, pois ninguém pode perdoar a si mesmo e ninguém pode se sentir obrigado por uma promessa feita apenas para si mesmo; o perdão e a promessa realizados na solitude e no isolamento permanecem sem realidade e não podem significar mais do que um papel que a pessoa encena para si mesma.
   Uma vez essas faculdades correspondem tão peto à condição humana da pluralidade, o papel que desempenham na política estabelece um conjunto de princípios orientadores diametralmente opostos aos padrões “morais” inerentes à noção platônica de governo. Pois o governo platônico, cuja legitimidade baseava-se no domínio do si-mesmo, extrai seus princípios orientadores -aqueles que justificam e ao mesmo tempo limitam o poder sobre outros – de uma relação estabelecida entre mim mesmo, de sorte que o certo e o errado nas relações com os outros são determinados pelas atitudes com relação ao si mesmo, até que todo o domínio publico passa ser visto à imagem do “homem escrito em maiúsculo”, da ordem adequada entre as capacidades individuais da mentes , da alma e do corpo do homem.Por outro lado, o código moral inferido das faculdades de perdoar e de prometer basear-se em experiências que ninguém jamais pode ter consigo mesmo e que , ao contrário, se baseiam inteiramente na presença de outros . E , do mesmo modos como a dimensão e as formas de governo de si[self-rule] justificam e determinam o governo dos outros – governa-se os outros como se governa a si mesmo -, também a dimensão e as formas do perdão e das promessas que o indivíduo recebe determinam a dimensão e as formas do perdão que ele pode ser capaz de conceder a si próprio ou do cumprimento de promessas que só a ele dizem respeito.
   Como os remédios contra o enorme vigor e resiliência dos processos da ação só são eficazes na condição de pluralidade, é muito perigosos usar esta faculdade em qualquer domínio que não assuntos humanos. A tecnologia e a ciência natural moderna, que já não colhem materiais natureza , nem observam e nem imitam seus processo, mas parecem realmente agir nela, aparentemente introduziram , por isso mesmo irreversibilidade e a imprevisibilidade humanas no domínio da natureza ,onde não há remédio para desfazer o que foi feito. Analogamente, parece que um dos grandes perigos de agir nos moldes da fabricação e dentro da estrutura de sua categoria de meios e fins reside na concomitante autoprivação dos remédios inerentes apenas à a ação, de modo que se é obrigado não só a fazer [do] recorrendo aos meios da violência necessários a toda fabricação, mas também a desfazer [undo] o que foi feito por meio da destruição como se destrói um objeto que não deu certo. Nada aparece de modo tão evidente nessas tentativas quanto a grandeza do poder humano cuja fonte reside na capacidade de agir e que, sem os remédios inerentes à ação, começa inevitavelmente a subjugar e a destruir, não o próprio homem, mas as condições nas quais a vida lhe foi dada.
   O descobridor do papel do perdão no domínio dos assuntos humanos foi Jesus de Nazaré. O fato de que ele tenha feito essa descoberta em um contexto religioso e a tenha anunciado em linguagem religiosa não é motivo para levá-la mesmo a sério em um sentido estritamente secular. È da natureza de nossa tradição de pensamento político (por móvitos nos quais não podemos nos deter aqui) ser altamente seletiva e excluir da conceituação articulada grande variedade de experiência políticas autenticas, entre as quais não se surpreendente encontrar algumas natureza elementar. Certos aspectos dos ensinamentos de Jesus de Nazaré que não relacionam basicamente com a mensagem cristã,mas surgiram de experiências da pequena e coesa comunidade e de seus seguidores,. Inclinada a desafiar as autoridades públicas de Israel, certamente incluem-se entre essas experiências políticas autenticas, embora tenham sido negligenciados me virtude de sua suposta natureza exclusivamente religiosa. O único sinal rudimentar da percepção de que i perdão pode ser corretivo necessário aos danos inevitáveis que resultam da ação pode ser visto no principio romano de poupar os vendidos (parecere subienctis) – uma sabedoria dos gregos desconheciam totalmente – ou no direito de comutar a pensa de morte, provavelmente também de origem romana que é a prerrogativa de quase todos os chefes de Estado ocidentais.
   È crucial pra nosso contexto que Jesus sustente contras os “escribas e fariseus”,que , em primeiro lugar , não é verdade que somente Deus tenha o poder de perdoar”, e em segundo lugar , que esse poder não deriva de Deus - como se Deus , e não os homens através de seres humanos-, mas, ao contrário deve ser mobilizado pelos homens entre si , antes que possam esperar serem perdoados também por Deus . A formulação de Jesus é radical. No evangelho não s expões que o homem perdoe sempre DEUS perdoa, e ele portanto, tem de fazer “o mesmo”m e sim “se cada um, no intimo do coração , perdoar, Deus fará “ o mesmo”. O mativo da insistnecia sobre um dever de perdoar é obviamente, que “eles não sabem o que fazem”, e não se aplica ao caso extremo do crime e do mal voluntário, pois do contrário não teria sido necessário ensinar que, “ se ele te ofender sete vezes no dia, e sete vezes no dia retornar a ti dizendo “me arrependo”, tu o perdoarás. O crime e o mal voluntário sõa raros, mais raros talvez que as boas ações; segundo Jesus, Deus se encarrega dele no dia do Juízo Final, que nenhum papel desempenha na vida terrena e tampouco se caracteriza pelo perdão, mas pela justa retribuição (apodounai).A ofensa, contudo, é uma ocorrência cotidiana , decorrência natural do fato de que a ação estabelece constantemente novas relações um teia de relações, e precisa do perdão , da libertação, para possibilitar que a vida possa continuar, desobrigado constantemente os homens daquilo que fizeram sem o saber.Somente mediante essa mutua e constante desobrigação do que fazem os homens podem ser agentes livres ; somente com a constante disposição para mudar de ideia e recomeçar pode-se confiar a eles um poder tão grande quanto o de começar algo novo.


(ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Adriano Correia. Ed. Gen, Forense Universitária, 11ª edição, pp. 295-300). 

Um comentário:

Anônimo disse...

O texto está repetido duas vezes, é preciso edita-lo.