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sábado, 17 de janeiro de 2009

Rembrandt Harmenszoon van Rijn


Aristoteles, reverência Homero.
Aristóteles (384-322 a.C), descansa a mão pensativa sobre um busto de Homero, o poeta épico cego da Ilíada e da Odisséia. Um medalhão representando Alexandre, o Grande, a quem Aristóteles ensinava, pende da pesada corrente de ouro. O filósofo contempla recompensas materiais, em oposição aos valores espirituais, com o jogo de luz e sombra em suas feições que sugerem os movimentos de sua mente. Pintado para o grande siciliano colecionador Antonio Ruffo, a imagem também se refere à comparação entre o tato e a visão como um meio de adquirir conhecimento de Aristóteles
Rembrandt Harmenszoon van Rijn (Leida, 15 de julho de 1606 — Amsterdam, 4 de outubro de 1669) foi um pintor e gravador neerlandês.
http://www.metmuseum.org/Collections/search-the-collections/110001844

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

QUARTA-FEIRA DE CINZAS /1930 .T.S.ELIOT

I
Porque não mais espero retornar
porque não espero
porque não espero retornar
A este invejando-lhe o dom e aquele o seu projeto
Não mais me empenho no empenho de tais coisas
(por que abriria a velha águia suas asas?)
Por que lamentaria eu, afinal,
O esvaido poer do reino trivial?

Porque não mais espero conhecer
A vacilante glória da hora positiva
porque não penso mais
porque sei que nada saberei
do único poder fugaz e verdadeiro
Porque não posso beber
Lá, onde as árvores florescem e as fontes rumorejam,
Pois lá nada retorna à sua forma

Porque sei que o tempo é sempre o tempo
e que o espaço é sempre o espaço apenas
e o real somente o é dentro de um espaço
e apenas para o espaço que o contém
Algregro-me de serem as coisas o que são
E renuncio à face abençoada
e renuncio à voz

Porque esperar não posso mais
e assim me alegro, por ter de alguma coisa edificar
de que me possa depois rejubilar

E rogo a Deus que de nós se compadeça
E rogo a Deus porque esquecer desejo
estas coisas que comigo por demais discuto
por demais explico
porque não mais espero retornar
Que palavras afinal respondam
Por tudo o que foi feito e que refeito não será
e que a sentença por demais não pese sobre nós

Porque estas asas de voar já se esqueceram
e no ar apenas são andrajos que se arqueiam
e no ar agora cabalmente exíguo e seco
Mais exíguo e mais seco que o desejo
ensinai-nos o desvelo e o menosprezo
Ensinai-nos a estar postos em sossego.

Rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte
rogai por nós agora e na hora da nossa morte .

II
Senhora, três leopardos brancos sob um zimbro
Ao frescor do dia repousavam, saciados
De meus braços meu coração meu fígado e do que havia
Na esfera oca do meu crânio.
E disse Deus:Viverão tais ossos? Tais ossosViverão?
E o que pulsara outrora
Nos ossos (secos agora) disse num cicio:~raças à bondade desta Dama
E à sua beleza, e porque ela
A meditar venera a Virgem,
É que em fulgor resplandecemos.
E eu que estou aqui dissimulado
Meus feitos ofereço ao esquecimento, e consagro meu amor
Aos herdeiros do deserto e aos frutos ressequidos.
Isto é o que preserva
Minhas vísceras a fonte de meus olhos e as partes indigestas
Que os leopardos rejeitaram.
A Dama retirou-se
De branco vestida, orando, de branco vestida.
Que a brancura dos ossos resgate o esquecimento.
A vida os excluiu.
Como esquecido fui
E preferi que o fosse, também quero esquecer
Assim contrito, absorto em devoção.
E disse Deus:Profetiza ao vento e ao vento apenas, pois somente
O vento escutará. E os ossos cantaram em uníssono
Com o estribilho dos grilos, sussurrando:
Senhora dos silêncios
Serena e aflitaLacerada e indivisaRosa da memória
Rosa do oblívioExânime e instiganteAtormentada tranqüilaA única Rosa em queConsiste agora o jardim
Onde todo amor terminaExtinto o tormentoDo amor insatisfeitoDa aflição maior aindaDo amor já satisfeitoFim da infinitajornada sem termoConclusão de tudoO que não findaFala sem palavraE palavra sem falaLouvemos a MãePelo JardimOnde todo amor termina.
Cantavam os ossos sob um zimbro, dispersos e alvadios,Alegramo-nos de estar aqui dispersos,Pois uns aos outros bem nenhum fazíamos,Sob uma árvore ao frescor do ~a, com a bênção das areias,Esquecendo uns aos outros e a nós próprios, reunidosNa quietude do deserto. Eis a terraQue dividireis conforme a sorte. E partilha ou comunhãoNão importam. Eis a terra. Nossa herança.
III
Na primeira volta da segunda escadaVoltei-me e vi lá embaixoO mesmo vulto enrodilhado ao corrimãoSob os miasmas que no fétido ar boiavamCombatendo o demônio das escadas, ocultoEm dúbia face de esperança e desespero.
Na segunda volta da segunda escadaDeixei-os entrançados, rodopiando lá embaixo;Nenhuma face mais na escada em trevas,Carcomida e úmida, como a bocaImprestável e babugenta de um ancião,Ou a goela serrilhada de um velho tubarão.
Na primeira volta da terceira escadaUma túmida ventana se rompia como um figoE além do espinheiro em flor e da cena pastorilA silhueta espadaúda de verde e azul vestidaEncantava maio com uma flauta antiga.Doce é o cabelo em desalinho, os fios castanhosTangidos por um sopro sobre os lábios,Cabelos castanhos e lilases;Frêmito, música de flauta, pausas e passosDo espírito a subir pela terceira escada,Esmorecendo, esmorecendo; esforçoPara além da esperança e do desesperoGalgando a terça escala.Senhor, eu não sou dignoSenhor, eu não sou digno
mas dizei somente uma palavra.
IV
Quem caminhou entre o violeta e o violetaQuem caminhou por entreOs vários renques de verdes diferentesDe azul e branco, as cores de Maria,Falando sobre coisas triviaisNa ignorância e no saber da dor eternaQuem se moveu por entre os outros e como eles caminhouQuem pois revigorou as fontes e as nascentes tornou puras
Tornou fresca a rocha seca e solidez deu às areiasDe azul das esporinhas, a azul cor de Maria,Sovegna vos
Eis os anos que permeiam, arrebatandoFlautas e violinos, restituindoAquela que no tempo flui entre o sono e a vigília, oculta
Nas brancas dobras de luz que em torno dela se embainham.Os novos anos se avizinham, revivendoAtravés de uma faiscante nuvem de lágrimas, os anos, resgatandoCom um verso novo antigas rimas. RedimemO tempo, redimemA indecifrada visão do sonho mais sublimeEnquanto ajaezados unicórnios a essa de ouro conduzem.
A irmã silenciosa em véus brancos e azuisPor entre os teixos, atrás do deus do jardim,Cuja flauta emudeceu, inclina a fronte e persigna-seMas sem dizer palavra alguma
Mas a fonte jorrou e rente ao solo o pássaro cantouRedimem o tempo, redimem o sonhoO indício da palavra inaudita, inexpressa
Até que o vento, sacudindo o teixo,Acorde um coro de murmúriosE depois disto nosso exílio
V
Se a palavra perdida se perdeu, se a palavra usada se gastouSe a palavra inaudita e inexpressaInexpressa e inaudita permanece, entãoInexpressa a palavra ainda perdura, o inaudito Verbo,O Verbo sem palavra, o VerboNas entranhas do mundo e ao mundo oferto;E a luz nas trevas fulgurouE contra o Verbo o mundo inquieto ainda arremeteRodopiando em torno do silente Verbo.
Ó meu povo, que te fiz eu.
Onde encontrar a palavra, onde a palavraRessoará? Não aqui, onde o silêncio foi-lhe escassoNão sobre o mar ou sobre as ilhas,Ou sobre o continente, não no deserto ou na úmida planície.Para aqueles que nas trevas caminham noite e diaTempo justo e justo espaço aqui não existemNenhum sítio abençoado para os que a face evitamNenhum tempo de júbilo para os que caminhamA renegar a voz em meio aos uivos do alarido
Rezará a irmã velada por aquelesQue nas trevas caminham, que escolhem e depois te desafiam,Dilacerados entre estação e estação, entre tempo e tempo, entreHora e hora, palavra e palavra, poder e poder, por aquelesQue esperam na escuridão? Rezará a irmã veladaPelas crianças no portãoPor aqueles que se querem imóveis e orar não podem:Orai por aqueles que escolhem e desafiam
Ó meu povo, que te fiz eu.
Rezará a irmã velada, entre os esguiosTeixos, por aqueles que a ofendemE sem poder arrepender-se ao pânico se rendemE o mundo afrontam e entre as rochas negam?No derradeiro deserto entre as últimas rochas azuisO deserto no jardim o jardim no desertoDa secura, cuspindo a murcha semente da maçã.
Ó meu povo.
VI
Conquanto não espere mais voltarConquanto não espereConquanto não espere voltar
Flutuando entre o lucro e o prejuízoNeste breve trânsito em que os sonhos se entrecruzamNo crepúsculo encruzilhado de sonhos entre o nascimento e a morte( Abençoai-me pai) conquanto agoraJá não deseje mais tais coisas desejarDa janela debruçada sobre a margem de granitoBrancas velas voam para o mar, voando rumo ao largoInvioladas asas
E o perdido coração enrija e rejubila-seNo lilás perdido e nas perdidas vozes do marE o quebradiço espírito se anima em rebeldiaAnte a arqueada virga-áurea e a perdida maresiaAnima-se a reconquistarO grito da codorniz e o corrupio da pildraE o olho cego então concebeFormas vazias entre as partas de marfimE a maresia reaviva o odor salgado das areias
Eis o tempo da tensão entre nascimento e morteO lugar de solidão em que três sonhos se cruzamEntre rochas azuisMas quando as vozes do instigado teixo emudeceremQue outro teixo sacudido seja e possa responder.
Irmã bendita, santa mãe, espírito da fonte e do jardim,Não permiti que entre calúnias a nós próprios enganemosEnsinai-nos o desvelo e o menosprezoEnsinai-nos a estar postos em sossegoMesmo entre estas rochas,Nossa paz em Sua vontadeE mesmo entre estas rochasMãe, irmãE espírito do rio, espírito do mar,Não permiti que separado eu seja E que meu grito chegue a Ti.


Tradução de Ivan Junqueira, do original: Collected Poems 1909-1962, para a Editora Nova Fronteira em 1981.