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domingo, 2 de junho de 2013

O enterro do conde de Orgaz, Pintado por Greco e texto de Gilles Deleuze.

"Uma horizontal divide o quadro em duas partes, inferior e superior, terrestre e celestial. Na parte de baixo existe claramente uma figuração ou narrativa que representa o enterro do conde, ainda que todos os coeficientes de deformação dos corpos, e notadamente o seu alongamento, façam parte da obra. Mas no alto, lá onde o conde é recebido por Cristo, há uma liberação louca, uma total liberdade: as Figuras se elevam e se alongam se afinam desmedidamente, fora de todo limite. Graças às aparências, não há mais história a serem contadas, as Figuras são libertadas de seus papéis representativos, elas entram em relação direta com uma ordem de sensação celeste. É isto que a pintura cristã encontrou no sentimento religioso: um ateísmo propriamente pictórico, onde podemos tomar ao pé da letra que Deus nunca deveria ser representado. De fato, com Deus, mas também com Cristo, com a Virgem, e também com o Inferno, as linhas, as cores, os movimentos se liberam das exigências da representação. As Figuras se levantam ou mergulham, ou se contorcem livres de toda figuração. Elas não têm mais nada a representar ou narrar, pois se contentam em remeter, neste domínio, ao código existente da Igreja. É então que, por sua conta, elas não têm mais a ver com as “sensações” celestiais, infernais ou terrestres. Tudo passará por um código, pintaremos o sentimento religioso de todas as cores do mundo. Não é mais necessário dizer que “se Deus não está, tudo é permitido”. É exatamente o contrário. Pois com Deus é que tudo é permitido. É com Deus que tudo é permitido. Não só moralmente, pois as violências e infâmias encontram sempre uma justificativa sagrada. Mas esteticamente, de uma maneira ainda mais importante, visto que as Figuras divinas são animadas por um livre trabalho criador, por uma fantasia que se permite todas as coisas. O corpo de Cristo é verdadeiramente talhado de uma inspiração diabólica que o faz passar por todos os “domínios sensíveis”, por todos os “níveis de sensação diferentes"(DELEUZE, 2007, p.17).
DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: lógica da sensação. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. 183 p.

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